domingo, 9 de setembro de 2012

EVOCAÇÕES DE SETEMBRO


Crédito: arte de luiz octávio sobre foto de daniel badra
As flores desabrocham em setembro, mês que adelgaça os sentidos, atiça os aromas e prateia o luar. Ah, setembro, cheiro de graxa de ovelha pelos oitões do rancherio, brilho de botas ensebadas e de sensações lustradas. Tempo que se alisa em si mesmo e nos faz cruzar pelos menores vãos, e nossa memória busca o indizível, o que foi sepultado em agosto e o que será consumado em outubro. Período de ordenamento, em que olhamos para os espelhos espalhados pelos cômodos e vemos refletidos um tempo de amor e secretos desejos. As mulheres queimam talos de rosas sobre as chapas vermelhas dos fogões, suspiram escondidas, espalham perfumes pelos cantos e as colegiais guardam pétalas dentro das páginas dos cadernos.

Nós, homens, mulheres e crianças do Sul, nos transmutamos nessa época. Só para ouvir, outra vez, o espocar longínquo dos canhões, o barulho metálico do entreferro das espadas e adagas, os gritos dos lanceiros negros nas noites mortas, as ordens de comando do General Netto nas suas escaramuças sem fim pelos campos. Ressoa, pelas coxilhas e canhadas, os clarins e os gritos de guerra: "Quiquiquibiiiiiiuuuuuuu...." e lá se vem a galope a temida cavalaria farrapa.... Amigos, porque nascemos aqui, carregamos nas veias e nervos toda a herança histórica e o atavismo dessa raça que teima em se perpetuar através dos anos e das décadas. Existe um mecanismo de reprodução de um idealismo que segue vivo através de um moto contínuo. Por isso, sempre haverá um taura montado em pelo, de lança firme na mão, a guardar os despojos dos que se foram, dos seus avós, dos bisavós e de toda a estirpe.

A bandeira verde, amarela e vermelha volta a tremular nos mastros, os cavalos encilhados a capricho desfilam garbosamente pelas ruas de todas as cidades, refazendo o imaginário popular, perpetuando todos os sonhos de liberdade, refazendo as ânsias pela dignidade e construindo o eterno mito rio-grandense. Todos os povos do mundo constroem as suas identidades em um passado de glórias e nós também construímos a nossa. Sobre essa identidade forjada a ferro e fogo cavalgamos em todas as manhãs do pago, pois ela nos recria, nos alimenta e nos ajuda a viver.

Parece que o mundo todo se alvoroça em setembro. Levezas multicores que se revezam no brilho de olhares que voltarão apenas no ano que vem, assim, sucessivamente. Em setembro, Deus é gaúcho e coloca asas em nossos corações...

Chasque de Paulo Mendes | pmendes@correiodopovo.com.br, publicado na coluna Camperiada, do caderno Correio Rural, do Correio do Povo, edição do dia 09 de setembro de 2012.

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